É possível que até nunca tenha ouvido falar sobre o conceito “fome emocional”, mas é muito provável que já o tenha experienciado ou que conheça alguém que tenha experienciado. Todos os seres vivos, incluindo os seres humanos, têm necessidade de comer. Procuramos comida quando sentimos fome. É uma necessidade fisiológica que permite que o organismo obtenha os nutrientes necessários para o seu correto funcionamento e sobrevivência.
No entanto, muitas vezes procuramos alimentos para dar resposta a uma fome que não é fisiológica. Diversos fatores podem desencadear sinais de fome, como a nossa rotina, as propriedades organoléticas dos alimentos (aspeto, cheiro, sabor e textura) e até mesmo as nossas emoções. Este último fator demonstra ter um impacto significativo na ingesta alimentar e pode ser prejudicial, quando descontrolado, para a nossa saúde física e emocional. Isto acontece, principalmente, em pessoas com maior tendência para se sentirem ansiosas, nervosas ou stressadas, pois revelam maior propensão para recorrerem mais frequentemente à alimentação orientada por fome emocional.
Mas por que motivo isto acontece? Muitas vezes a comida é vista, inconscientemente, como uma forma de regular (desaptativamente) as emoções, como se fosse uma forma de compensar o que estamos a sentir no momento. A fome emocional é assim denominada exatamente porque a necessidade de comer não provém da carência de nutrientes, mas sim da vontade de comer orientada pelas emoções. Emoções negativas como a ansiedade, a depressão e o stress funcionam como gatilhos e o cérebro, mais especificamente o hipotálamo (região do cérebro que controla os mecanismos da fome), dá a indicação de que o organismo necessita de obter alimento; no entanto, na realidade, fisiologicamente, essa necessidade não existe. É como se o cérebro criasse a ilusão de que um alimento tem o poder milagroso de resolver o real problema por detrás dessas emoções apenas com uma dentada (ou dentadas, no plural).
Do ponto de vista psicológico, a associação indevida entre comida e a diminuição do mal-estar, quando frequente, pode levar ao desenvolvimento de problemas como a compulsão alimentar e a baixa autoestima relacionada com a imagem corporal. Do ponto de vista nutricional, estamos perante uma situação que pode levar a um desequilíbrio significativo na ingestão de nutrientes, pois, usualmente, a fome emocional conduz a uma ingestão descontrolada de alimentos mais palatáveis, tendo estes, normalmente, maior densidade energética, bem como maior teor de gordura, de açúcar e/ ou de sal.
Este problema, a longo prazo, pode agravar a saúde física de um indivíduo, pois há um maior risco de desenvolver excesso de peso e obesidade, bem como todas as condições associadas, nomeadamente doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, diabetes, entre outras. Existe também um maior risco de agravar a saúde psicológica, pois a obesidade e o excesso de peso encontram-se associados à baixa autoestima devido aos estereótipos criados em torno do “corpo perfeito”; baixa autoestima esta que também se encontra intimamente relacionada com a depressão. Há, então, a criação de um círculo vicioso, em que o indivíduo come para se sentir melhor, se não se sente melhor come mais, se come mais sente-se pior porque desenvolve sentimentos de culpa e vergonha por ter comido demasiado, estes sentimentos agravam a baixa autoestima e outras emoções negativas que possa sentir e, passado pouco tempo, volta a comer mais para tentar sentir-se melhor. Este círculo vicioso, a longo prazo, pode ainda dar origem ao desenvolvimento de perturbações do comportamento alimentar, que podem tornar esta situação ainda mais complexa.
Contudo, e embora a fome emocional seja complicada e causada por uma grande diversidade de fatores, é possível contorná-la através de estratégias específicas, com a ajuda de profissionais entendidos e integrados, idealmente, numa equipa multidisciplinar, como é o caso de psicólogos e nutricionistas. Claro que há sempre hábitos que podem e devem ser adotados no dia-a-dia, como estabelecer e cumprir horários para refeições, fazer refeições nutricionalmente completas que promovam a saciedade e não ir ao supermercado quando se sente fome ou stress, porém é importante ter noção que a adoção destes hábitos não irá resolver a real causa das emoções negativas e, consequentemente, da fome emocional, nem serão, provavelmente, suficientes para resolver o problema do ponto de vista nutricional.
Assim, a atitude a adotar quando o comportamento alimentar causa desconforto, sofrimento ou ansiedade, é a procura de ajuda especializada, pois estas estratégias vão depender muito do indivíduo em questão e também do seu quadro psicológico. Por exemplo, um indivíduo com depressão profunda não pode ser restringido repentinamente de um alimento de conforto que ingere diariamente, sem antes iniciar psicoterapia e se encontrar em condições para se começar a libertar dessa dependência. Este alimento de conforto, mesmo não contribuindo, do ponto de vista nutricional, para uma alimentação equilibrada se consumido com esta frequência, apresenta-se não raramente como o único momento de prazer que este indivíduo obtém no seu dia-a-dia, pelo que, se lhe for retirado, poderá mesmo agravar a sua condição depressiva.
Logo, quaisquer estratégias deverão ser elaboradas de forma personalizada em consulta e numa colaboração entre o(a) nutricionista e o(a) psicólogo(a). Em conjunto, estes profissionais irão estudar o caso do indivíduo e apresentar-lhe a terapia mais eficaz que vai ao encontro das suas necessidades.
Patrícia Vieira Ferreira – Nutricionista (CP 5091N)
Raquel Caetano – Psicóloga Clínica e da Saúde (CP 26339)